Um Sporting com "S"
















Há momentos li um delicioso texto que está no A Norte de Alvalade, provavelmente o melhor blog sobre o Sporting. Este texto além de ter sido escrito por alguém que já tive a oportunidade de ver falar ali a uns escassos metros de mim, no Solar do Norte, com uma emoção que encontro facilmente paralelo com o meu avô que é o responsável por eu ser o Sportinguista que sou hoje. Portanto aqui vai o texto que deve ser lido por todos:

"A abrir a recordação de alguns dos muitos bons momentos da minha vida que devo ao Sporting Clube de Portugal, cumpre-me agradecer ao amigo José Duarte Pereira e ao seu excelente blog "ANortedeAlvalade" o convite que me foi dirigido para escrever – com muito agrado - o artigo seguinte para o referido blog.

Ser uma pessoa de idade tem seguramente algumas desvantagens, sobretudo por se ter ultrapassado o fio invisível que assinala a metade da vida humana. Não posso dizer o contrário. Mas tem igualmente as suas vantagens, materializadas na experiência adquirida e num capital enorme de boas e más recordações. No tocante aos momentos desportivos que retenho na memória, muito devo ao grande clube de que sou apaixonado desde a minha infância.

Não sou, por norma, dos que dizem “no meu tempo é que era bom”.

Mas os meus setenta e três anos deram-me a vantagem incomensurável de viver alguns episódios gloriosos do nosso Clube, que situo entre meados da década de 40 e o ano de 1985. Aqui, sim, digo com muita convicção e frequentemente: “no meu tempo é que era bom”. Enganam-se os que pensam que me refiro unicamente ao futebol e mais concretamente à época dos “cinco violinos”.

O Sporting já foi um clube de projecção internacional, não só no futebol, mas noutras modalidades desportivas geradoras de grandes alegrias aos seus adeptos.

Não podendo falar de todos os factos (e muitos são) de que me recordo, constitutivos da “minha história de encantar”, abordarei unicamente alguns dos que mais me marcaram no futebol, no atletismo e no ciclismo

Começarei pelo capítulo FUTEBOL.

Para quem hoje pode facilmente e em directo ver os jogos do nosso campeonato - e não só -, será difícil entender que, no tempo dos cinco violinos (entre 1946 e 1953), o acesso aos jogos de futebol ou se fazia presencialmente (o que, para mim, era difícil por viver longe de Lisboa), ou através dos relatos da Emissora Nacional feitos, primeiro, pelo relator (assim lhes chamávamos) Quádrio Raposo, e mais tarde por Amadeu José de Freitas.

Com que ansiedade o relato era aguardado, antecedido sempre por marchas militares, igualmente emitidas no intervalo. Não havia comentários. Ouvia-se o relato e era um pau.

Em meados da década de 40, começa a formar-se a grande equipa do Sporting, a qual viria a atingir o seu auge com os “cinco violinos”, designação que lhe foi dada pelo jornalista Tavares da Silva, mestre em atribuir cognomes a jogadores. Lembro-me de ter chamado “Malhoa” a Vasques, - um dos “violinos” - por este grande jogador realizar o seu jogo em pinceladas, designando-o também como “galgo de raça”, pela forma elegante como corria e jogava.

Nessa época, a baliza do Sporting era defendida por João Azevedo, para mim o melhor guarda-redes português de sempre. Recordo um jogo entre o Sporting e o Benfica para decidir o Campeonato de Lisboa. Tinha eu ainda nove anos. João Azevedo lesionou-se num braço, com gravidade, na primeira parte do pleito. Como as substituições não eram então permitidas, Veríssimo foi para a baliza. Se bem me lembro, aos 15 minutos da segunda parte, com o jogo empatado, Azevedo voltou ao campo, com o braço lesionado imobilizado. Mesmo assim diminuído, Azevedo defendeu tudo o que foi à baliza. Um fenómeno! O Sporting venceu por 3-1, e o próprio público adepto do Benfica aplaudiu, no final, Azevedo. Nesse tempo, não se falava em “fair play”, mas a correcção existia no futebol. Eu, junto da “telefonia”, dava saltos e os deveres escolares ficaram esquecidos.

A equipa dos “cinco violinos” fazia exibições que eram verdadeiros recitais. Daí, o seu nome. Mas a equipa não era só constituída pelos cinco avançados que lhe deram o nome. Para além de Azevedo, lembro três grandes defesas: Cardoso, o capitão, Barrosa, excelente central, e Manuel Marques, defesa esquerdo, o tal que jogava sempre com um lenço na ilharga do calção, (não sei porquê). Canário, um médio de grande precisão de passe, acompanhado por Veríssimo e – por vezes – Juvenal, eram os municiadores dos cinco avançados, todos estes com um poder de passe, finta, corrida e remate terríveis. Que o digam o Lille (França) e o Norrkoeping (Suécia) ambos com 8-2 nas algibeiras, e ainda o Atlético Aviación (o actual Atlético de Madrid), derrotado no seu estádio por 6-3, com todos os golos marcados pelo extremo direito Jesus Correia. Foram, na verdade, jogos particulares, mas com projecção, por não existirem quaisquer torneios internacionais entre clubes.

Por falar em torneios internacionais, o Sporting teve a honra de abrir esse capítulo, primeiro na Taça Latina em 1949, ganha pelo Barcelona e, depois, na primeira Taça dos Clubes Campeões Europeus. Com que nervoso, sofrimento e alegria eu ouvia os relatos nesses rádios manhosos, a fazerem uma chiadeira dos diabos!

Tive a sorte de viver esses tempos de glória. Habituado às vitórias, qualquer empate me deixava embirrento durante uns dias, com dificuldade de estudar e comer a sopa, o que me valeu alguns tabefes. Só as vitórias interessavam.
















Para mim, pese embora a categoria de todos os outros jogadores, e um deles - José Travassos -, foi mesmo o primeiro jogador português a jogar numa Selecção da Europa (hoje qualquer bicho careta joga nessas selecções, mas nesse tempo isso não era possível), o meu ídolo dessa equipa era Fernando Peyroteo, por ser ele quem me dava mais vezes a alegria do golo e obrigava o relator a gritar “goooooooooolo do Sporting! É de Peyroteo!” Que grande goleador!

Apesar de viver longe, assisti a vários jogos dos “cinco violinos”, que afinal eram onze, mas lembro-me particularmente de um realizado no velho Estádio do Lima, do Porto, onde jogámos e vencemos o F.C. do Porto. Recordo-o, porque no intervalo tive oportunidade de participar, como os outros milhares de assistentes, nas filmagens do “Leão da Estrela” em que nos pediram para acenar, bater palmas e realizar outras manifestações, que depois entrariam no filme, com natural regozijo dos adeptos do Sporting, pela vitória alcançada. No filme, ganhámos e, na realidade, também.

Há, porém, um jogo que me marcou profundamente, e me fez saltar tanto na cama, que parti as tábuas de suporte do colchão. Foi o Sporting-Manchester United, da Taça das Taças de 1964, em que vencemos por 5-0, e eliminámos uma grande equipa, recheada de jogadores mundialmente famosos, ultrapassando os 4-1 da derrota sofrida em Manchester. A vitória da Taça das Taças foi boa, mas a emoção desse jogo, onde brilhou Osvaldo Silva, foi incrível!

Depois da década de 50, o Sporting ainda teve grandes equipas de futebol. Lembro-me das equipas de 1961/62, de Fernando Mendes, Figueiredo – o “Altafini de Cernache”-, Geo, Lino e Hilário; a de 1965/66, uma equipa constituída por grandes jogadores, como Morais (o do cantinho na final da Taça das Taças, efectuada em Antuérpia), Alexandre Baptista, José Carlos, Peres, Pedro Gomes, Hilário, Carvalho, Lourenço (o dos 4 golos ao Benfica, na Luz) e Oliveira Duarte. Quase Todos eles foram convocados para o Mundial de 1966, mas alguns não tiveram oportunidade de jogar, apesar, de estarem em grande forma, como Peres e Lourenço, o que valeu grandes críticas ao seleccionador, sócio do Benfica (pois claro!); a equipa de 1973/74, de Damas - para mim, o segundo melhor guarda-redes português de sempre - e do famoso Yazalde; a equipa de 1979/80, de Jordão e Manuel Fernandes, famosa pelos 7-1 ao Benfica, com 4 golos desse grande capitão e sportinguista. Grandes épocas do Sporting em que ganhámos vários campeonatos, taças e torneios. Sim, “no meu tempo é que era bom”.

Depois de 1980, para mim, o Sporting nunca mais teve equipas de futebol que garantissem elevadas prestações em anos sucessivos, pese embora o grupo onde pontificavam Jardel e João Pinto, que durou apenas um ano. Foi um fogacho.

O Sporting deste período era um Clube verdadeiramente eclético praticando um número elevado de modalidades desportivas, com atletas e equipas de grande craveira nacional e internacional. Isto permitia que, em épocas de baixa da equipa de futebol, o “ego” sportinguista se mantivesse elevado, por força dos êxitos dos seus atletas noutras disciplinas desportivas. Desde o Hóquei em Patins até ao Basquetebol, passando pelo Voleibol, Andebol, Ginástica e noutras modalidades, o Sporting brilhava no País e no estrangeiro.

Mas nesta minha crónica para o “A Norte de Alvalade” não posso deixar de referir em especial, o atletismo e o ciclismo, duas modalidades que, por força de quatro figuras do meu imaginário sportinguista, deram renome mundial ao nosso Clube.

No ATLETISMO, avulta, desde logo, na minha memória, a figura ímpar dessa grande referência do Sporting, que é o Sr. Prof. Moniz Pereira, responsável por várias épocas de glória do nosso atletismo, criando - é o termo adequado -, atletas como Manuel Faria, Fernando Mamede e Carlos Lopes, todos eles a espalharem a sua classe por todo o Mundo, e constituindo uma equipa de atletismo vencedora da Taça dos Campeões Europeus em vários anos. Esta grande figura do nosso Sporting merece a gratidão de um novo estádio especialmente vocacionado para o atletismo, e não um simples campo de treino, como parece ser o que estão a edificar.

Recordo os relatos da Emissora Nacional, feitos a altas hora da madrugada, das provas da S.Silvestre de São Paulo, onde Manuel Faria se sagrou vencedor por várias vezes (não me lembro quantas)! Note-se que, naquele tempo, a S. Silvestre de São Paulo, onde também Carlos Lopes viria a triunfar, era a grande corrida de atletismo da passagem de ano. Agora, qualquer terrinha, em Portugal e no estrangeiro, tem a sua S. Silvestre. Dessas, já nem há relatos, porque a importância e a dimensão das provas não é comparável com a do Brasil.

Vivi com entusiasmo os recordes da Europa de 10 mil metros, estabelecidos por Fernando Mamede, em 1981 (Lisboa), e depois em 1983 e 1984, respectivamente em Paris e Estocolmo, onde também se fixou, com a respectiva marca, um novo recorde do Mundo. Um grande atleta. Não consigo entender o motivo por que nunca obteve uma medalha nos Jogos Olímpicos.

Recordo também as vitórias de Carlos Lopes, nos Campeonatos do Mundo de Cross, e emocionei-me, sobretudo, com a medalha de ouro (a primeira que Portugal obteve) alcançada por esse grande atleta na prova da maratona dos Jogos Olímpicos de Atalanta. Nessa madrugada, milhões de portugueses escutaram “A Portuguesa”, pela primeira vez, em Jogos Olímpicos, e viram pela televisão, com orgulho patriótico, a Bandeira Nacional a subir lentamente no mastro central do estádio, assim se encerrando (da melhor maneira, para nós), as provas de atletismo. Oh que noitada! “No meu tempo é que era bom”.

Deixo para o final o CICLISMO.
Tivemos grandes corredores (João Rebelo, João Roque, Marco Chagas e outros) mas a figura de Joaquim Agostinho destaca-se a grande altura. Sendo um corredor que apareceu tarde (25 anos) e faleceu prematuramente, teve, contudo, tempo de se alcandorar a figura mundial do ciclismo. Participou na Volta a França, pela primeira vez em 1969, ficando em 8º lugar, e vencendo duas etapas. Nunca nenhum corredor português tinha ganho qualquer etapa no Tour. Lembro-me de um episódio ocorrido comigo, que não resisto a revelar.

Estando eu, nesse ano, a estudar em França, e por me encontrar de férias, fui a Revel, perto de Toulouse, a fim de presenciar o final da etapa. Lá estava eu, com a bandeira do Sporting, à espera dos corredores, quando não foi o meu espanto, vejo o “Agostinô”, como diziam os franceses, a chegar em 1º lugar e a vencer a etapa. Não tenho vergonha de dizer que chorei como uma criança. Tive um orgulho tremendo em ser português e poder dizer que esse corredor - que no final tive a possibilidade de cumprimentar - era um atleta do meu clube: O SPORTING! E aqui também sou obrigado a dizer ““No meu tempo é que era bom”.

Há muitos anos que o Sporting não me dá alegrias sustentadas. Lá vem um fogacho ou outro que me fazem sonhar, mas que rapidamente se apaga. Sonho com um Sporting eclético, com o nome respeitado em todo o Mundo. Com o aparecimento de figuras da estatura do Senhor Prof. Mário Moniz Pereira. Sonho com um Sporting de liderança forte, com uma voz escutada por adversários, e instituições civis e políticas.Sonho com um Sporting a lutar em todas as modalidades desportivas pelo primeiro lugar, e nunca afirmando que é bom ficar em segundo…

Sonho com as Filiais, Núcleos e Delegações a serem mais participativos na vida do Sporting e com as suas claques a darem civilizadamente espectáculos coloridos de verde e branco, nas bancadas. Sonho com um clube que de novo arraste multidões em todas as modalidades. Sonho com a recriação de uma mística própria em que os atletas não desejem sair, a fim de irem para outros clubes nacionais ou estrangeiros, e sobretudo não manifestem o seu desencanto e desagrado pelos anos em que representaram o Sporting.

Sonho com uma formação que, para além de gerar grandes atletas, reforce o gosto e o amor à nossa camisola, para que, por quaisquer motivos das vidas, hajam de seguir para outros clubes, fiquem, todavia, sempre gratos e agarrados aos seus anos de formação, e não se levantem do banco a festejar golos contra nós.

Sonho, enfim, com um Sporting ao nível daquele que tive a felicidade de viver.

…Mas acordo, muitas vezes, com o pesadelo de ver o meu clube (no futebol) longe do primeiro lugar e quase à mesma distância pontual dos lugares de despromoção, portanto muito afastado da vitória no campeonato, enquanto os seus mais directos responsáveis afirmam candidamente que “cumprem o seu dever” e não desistem do primeiro lugar. Como se falassem para um escasso número de matarruanos, e não para milhares de sportinguistas, que têm o seu clube no coração. Haja, ao menos, bom senso no que se diz…

Para todos os sócios e simpatizantes do SPORTING CLUBE DE PORTUGAL, e para a Direcção e leitores deste blog, os meus votos de Bom Natal um Feliz Ano de 2011 e Saudações Leoninas.

Eduardo Sá Ferreira
(Sócio nº 6753)

Comentários

Fábio Mendes disse…
Lindo! Quase chorei a ouvir este relato! Tão bem escrito quanto sentido. Um verdadeiro Sportinguista!
Anónimo disse…
Obrigado à Bancada do Leão pela publicação do meu artigo e comentários que ao mesmo são feitos. Espero e agradeço como sportngista que excelentes blogs como o Bancada do Leão continuem a pugnar por um grande Sporting.
Eu, enquanto puder, juntarei a minha voz a esa luta.
Eduado Sá Frreira
SL
Anónimo disse…
Obrigado Fábio Mnds pelo seu comentário. Co efeito emocionei-me quando escrevi o texto, as também om o seu comentário. Obrigado
Eduardo Sá Ferreira
Pedro:
Obrigado pela reprodução do texto do nosso amigo Dr. Eduardo Sá Ferreira. São estas pequenas delicias que nos fazem encher o peito de ar e acreditar.

Quanto ao elogio ao blogue só posso pedir que não reveles o cachet... :-)

Agora a sério: sabes bem o que penso do agora BL e do anteriores Pontapés na Lógica, (e não se trata de troca de galhardetes) pelo que as tuas palavras são de facto um enorme (e muito sentido por mim) elogio.

Abraço!
jmbb disse…
Parabéns pelo texto é muito bonito e cheio de emoção.
Mas uma coisa é certa ninguém vive do passado.
Muito menos o desporto de hoje tem alguma coisa a ver com o desporto de antigamente.
Todas as modalidades são mais que profissionais.
O futebol mudou completamente depois da lei Bosman.
O futuro não é fácil, hoje é preciso trabalhar muito para ter sucesso, e muitas vezes não basta só o empenho. Há muita actividade estranha em volta do futebol, que gera receitas muito grandes, por isso há muita gente a gravitar a volta do futebol que não tem nada a ver como o jogo em si.
Anónimo disse…
Gostava muito de ver o meu rico Sporting com um Pavilhão próprio para as modalidades.
Não se compreende um clube com as tradições do nosso nas modalidades, estar a fazer os respetivos jogos "em casa" em pavilhões alugados.
O futesal está num desenvolvimento imparável a nível mundial e iria trazer de volta muitos adeptos caso se dispusesse dum Pavilhão próprio.
saferreira disse…
Caro Amigo jmbb
Agradeço-lhe o seu comentário. È evidente que não se vive do passado. Mas convem que o passado não seja esquecido. E se for rico como o do Sporting deve servir de orientaçãoe de meta a atingir pelo universo sportinguista. Acho que a filosofia de vitórias sustentáveis deve ser o objectivo de todos os sportinguistas e não se contentarem com vitórias casuísticas. Sei também que hojeas modalidades são todas, ou quase todas, profissionais. Mas isso não tira que um Sporting, como aquele que eu vivi, não possa existir. Certamente que o meu Amigo sabe que existem clubes (com modalidaes profissionais) e com vitórias de forma continuada e não casuística.
saferreira disse…
Caro Anónimo
Obrigado por comentar o meu artigo com um desejo que também é concerteza o de milhares de sportinguistas. Temos a promessa de o Pavilhão vai avançar. Esperemos que se concretize esta promessa
Um abraço

Mensagens populares deste blogue

Desperdiçar uma liderança forte!

Viva o Quintana. Viva a Maria José Valério!

Quem é Nélio Lucas? A face visível da Doyen!